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Um ensaio sobre o treinamento de força em esportes de combate.

Atualizado: 16 de abr. de 2019

Para montar um programa de treinamento de força eficiente é necessário um pouco mais do que barras e anilhas.

Com a evolução das ciências do esporte, possivelmente o atleta grego Mílon de Crotona utilizaria outro método de treinamento de força ao invés de carregar um bezerro nas costas, dia após dia, até a indefesa e suculenta vitela se transformar em um aterrorizador – e pesadíssimo – touro.

Mal sabia Mílon que ele estava empregando alguns fundamentos do treinamento desportivo, como o princípio da adaptação, da sobrecarga e da continuidade.

Essa versão “old school” do Crossfit desenvolveu as capacidades atléticas do nosso mítico herói. Hipertrofiou sua massa muscular, ganhou força, potência e certamente ganharia milhares de seguidores no Instagram.

De fato, Mílon foi um exímio e respeitadíssimo lutador, conquistando diversos títulos nos Jogos Olímpicos da Antiguidade, inclusive quando ainda era criança.

Brincadeiras a parte, entre mitos e realidade, a história não conta as agruras vividas por Mílon e seus adversários durante o preparo para os Jogos. Relata-se que os atletas treinavam exaustivamente por pelo menos 10 meses ininterruptos até o início das Olimpíadas, e não é preciso muita imaginação para supor que os “menos lesionados” levassem certa vantagem, principalmente levando em conta que as modalidades de combates permitiam quebrar os dedos (luta) ou que terminassem apenas quando um dos atletas ficasse inconsciente (pancrácio e pugilato).

O preparador físico de Mílon já sabia da importância do treinamento de força para os esportes de luta. Força era importante para aumentar o desempenho e prevenir lesões, e seu treino de “bull-lifting” funcionou bem. Mas devido à internet na época não ser lá essas coisas, certamente muitos detalhes passaram despercebidos por ele.

Força (capacidade de superar uma resistência externa através dos músculos) está atrelada à uma combinação de fatores morfológicos e neurais, além de uma quantidade razoável de variáveis que devem ser levadas em consideração na montagem de um protocolo de treinamento, objetivando extrair o máximo de suas potencialidades.

Para iniciar, características individuais como idade, gênero, categoria de peso, experiência na modalidade, capacidade atlética, aspectos nutricionais e fatores psicológicos devem ser considerados.

Em adição, o tipo e as características do exercício que será empregado também devem ser ponderadas. Volume, intensidade, tempo de repouso entre séries, tempo de recuperação entre sessões, velocidade de execução dos movimentos são variáveis que não podem ser negligenciadas quando forem aplicadas numa também grande disponibilidade de tipos exercícios como musculação, pliometria, balísticos, excêntricos, concêntricos entre outros.

E a associação de todas essas variáveis já citadas ainda dependerá do objetivo e da necessidade do atleta, que pode ser, por exemplo, hipertrofia, força e potência.

Claro, não podemos esquecer de periodizar esse treinamento, principalmente porque o calendário competitivo do Judô pode apresentar várias competições importantes durante a temporada, e algumas vezes com uma janela muito curta entre uma competição e outra. Um atleta de alto rendimento não se pode dar ao luxo de “passar do ponto” por excesso de treino e ter seu desempenho prejudicado. Ou mesmo sofrer uma lesão por estresse. Sintomas do famoso e temido “overtraining”.

Com tantos fatores interdependentes, a correta aplicação do programa de treinamento de força se torna vital para que o atleta não fique aquém ou vá além de sua melhor forma em uma determinada competição, ou ainda sofrer uma lesão e ficar de fora do campeonato.

Considerando o exposto, parece claro que se um programa de treino é aplicado sem critérios, é muito mais fácil errar do que acertar o alvo.

Hoje em dia Mílon teria muito mais recursos e opções para montar seu programa de treino. Ele poderia escolher entre carregar um boi (com patrocínio da JBS), contratar um “life-style coach”, seguir ex-BBB e blogueiros “fitness” ou contratar um profissional qualificado.

Mas Mílon era um atleta nato, um campeão e ele saberia que um programa de treino bem preparado pode ser a diferença entre a medalha de ouro e a desclassificação, ou ainda a mesa de cirurgia do seu ortopedista. Além do mais, Mílon teria sérios problemas com os ativistas defensores dos direitos bovinos. E com a operação carne fraca. Aliás, “operação” e “carne fraca” é tudo o que um atleta não deseja.


Ricardo Tanhoffer é licenciado em educação física, doutor em ciências do esporte, pós-doutor em fisiologia e faixa preta de Judô.


Referências:

Strength training for athletes: does it really help sports performance? McGuigan, Wright & Fleck. International Journal of Sports Physiology and Performance, 2012.

The importance of muscular strength: training consideration. Stone et al. Sports Medicine, 2018.

Influence of linear and undulating strength periodization on physical fitness, physiological, and performance responses to simulated judo matches. Franchini et al. J Strength Cond Res. 2015.



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